Dados do Trabalho

Título

Resistência recorde de 366 maratonas em 366 dias consecutivos: Um estudo de caso

Introdução e Objetivo

O desempenho de resistência é determinado pelo consumo máximo de oxigênio (VO2máx), economia de corrida e limiar de lactato. Um atleta belga correu uma maratona por dia durante 365 dias em 2010, realizando um dos maiores feitos da história do esporte. Entretanto, nenhuma avaliação clínica foi registrada. Um atleta amador brasileiro propôs estabelecer um novo recorde mundial de maratonas consecutivas, correndo 366 maratonas em 366 dias consecutivos. Nossa hipótese é que o atleta poderia sofrer algumas adaptações ou desadaptações cardiovasculares. Por isso, o objetivo foi monitorar o sistema cardiovascular para avaliar quaisquer adaptações cardiovasculares ou má adaptação do atleta ao longo do período..

Casuística e Método

Na avaliação pré-estudo, realizamos a avaliação clínica pré-participação esportiva (APPE) composta por anamnese, eletrocardiograma (ECG), exame de sangue e teste cardiopulmonar de exercício máximo (TCPE). Durante o acompanhamento, foram realizados periodicamente avaliação da composição corporal, coleta de sangue e TCPE. Após 3 meses, o ecocardiograma foi incluído e realizado periodicamente até o final do projeto.

Resultados

No APPE, H.L.S.F, masculino, 43 anos, altura 1.83m, peso: 76,9 kg, índice de massa corporal (IMC): 23, 0 kg/m2, massa livre de gordura 67.2 kg, gordura corporal: 12,6%, VO2máx: 52 ml/kg/min, pressão arterial sistólica e diastólica: 120/80 mmHg, glicemia: 92 mg/dL, colesterol total (CT): 185 mg/dL, proteína C reativa ultra sensível (PCR-us): 0,08 mg/dL, creatina fosfoquinase (CPK): 183 U/L e troponina T ultra sensível (TnT-us): 7,1 ng/L.
Durante os 12 meses, a média do peso permaneceu em 72,6±2,5, IMC: 21,7±0,7 kg/m2, massa livre de gordura: 64,9±1,3 kg, gordura corporal: 10,7± 1,2%, PAS: 115±5 mmHg e PAD 80±5 mmHg. A média do VO2máx permaneceu em 48,7±1,2 ml/kg/min, PCR-us: 0,07± 0,01 mg/L, CPK: 169 ± 36 U/L, TnT-us: 8,2±1,4 ng/L. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo permaneceu em 62±2%, strain longitudinal global do VE em 19±1%, índice de massa do VE em 83±7 g/m2, e nenhuma arritmia maligna foi observada.

Discussão

Este é o primeiro estudo a monitorar regularmente de maneira muito abrangente o sistema cardiovascular de um maratonista que correu 366 maratonas diárias consecutivas.
Primeiramente, foi realizado o APPE para identificar a presença de doenças cardiovasculares desconhecidas que poderiam ser incompatíveis com este estudo. O atleta não tinha histórico familiar de morte súbita cardíaca, cardiomiopatia hipertrófica e apresentou ótima resposta cardiovascular e física durante o TCPE. O treinamento físico promove remodelação estrutural e funcional do coração. Durante o acompanhamento, monitoramos periodicamente o atleta para garantir sua segurança, e caso eventualmente o atleta apresentasse alguma condição patológica que pudesse evoluir de forma prejudicial com potencial risco à sua vida, o estudo teria sido interrompido. Interessantemente, o atleta apresentou variações fisiológicas mínimas na estrutura cardíaca e na função do VE, sem alterações cardiovasculares anormais durante um ano.
Por outro lado, o treinamento físico pode estar associado ao aumento do risco de arritmias cardíacas. Além disso, a intensidade do exercício, mas não o volume, pode estar associada ao aumento da calcificação coronariana em atletas. Em nosso estudo, o atleta foi orientado a correr as maratonas em intensidade moderada (em torno do primeiro limiar ventilatório), e não foram observados sinais de ECG alterado sugestivos de isquemia e arritmias malignas durante o TCPE. Além disso, o atleta apresentou variações mínimas no VO2máx e adaptações sustentadas na capacidade física ao longo dos 12 meses.

Conclusão

O sistema cardiovascular do atleta adaptou-se e permaneceu funcionando dentro da faixa de normalidade. Além disso, o atleta estabeleceu um novo recorde mundial de 366 maratonas em 366 dias consecutivos, reconhecido pelo Guinness World Records.